sexta-feira, 2 de outubro de 2015

ENTREVISTA COM O SRº ALUÍSIO PEREIRA (VIZINHO)

Maria Helena: Gostaria que o senhor falasse um pouco sobre a rua e o bairro em que vive.

Senhor Aluísio: Bom, quando vim morar no bairro da Massaranduba, havia uma grande mangueira fincada perto da maré numa área já aterrada, nela juntavam-se pescadores para a saída e a vinda de seus barcos para o alto mar e para Baia de todos os Santos. Debaixo das sombras das mangueiras, eles batiam papos, esperando a maré alta para alcançar ao largo os seus barcos, rumo à pescaria. Também ali, já de volta com o fruto do seu trabalho, eles se recolhiam para o livre comercio de peixes, também para o seu sustento.

Era uma festa! Era peixe de todos os tipos e tamanhos. Eu e Lili do peixe, pescador experiente, organizávamos algumas pescarias. A pinga era experimenta por todos em comemoração a vitória alcançada na pescaria. Ali tudo se conversava: coisas da terra e coisas do mar. Eram grandes histórias, aventuras, piadas gozadoras aos que foram e aos que ficaram.
O mar batia com suas ondas às vezes fortes, levando à sombra frondosa mangueira e empurrando até ela, o barco já estacionado. E os pescadores se alegravam, esperando a nova hora de partida.

O trabalho e a vida tinham gosto de peixe e de manga. Ali, tudo partilhava. A meninada esperava a hora do retorno da pescaria e corria para receber os pescadores, interessados também, nos peixes e frutos que eram trazidos do mar, ainda vivos, conseguidos pelo esforço de seus pais. Todo mundo dividia e todos recebiam, comerciavam e depois iam dormir.

A mangueira que deu nome ao lugar que hoje moro “RUA NOVA DA MANGUEIRA”, não mais existe. Mas, lembro-me muito bem, que era um mangue. Era um manguezal espalhado perto da maré. Era, também, maré na sua ponta de lama grossa, ali viviam caranguejos e outros crustáceos, onde os moradores da maré faziam suas catadas, para sobreviverem.

A rua foi criada com barracos que vinham sendo construídos dentro da maré, com palafitas, ao lado da fábrica da Pepsi cola. Depois foram aumentando a quantidade de barracos, ligados por pontes de madeiras, se espalharam para frente na direção do mar fundo.

Depois, a rua nova da mangueira passou a ser chama de “Rua Capitão Vicêncio Constantino de Figueiredo” em homenagem a um marinheiro que colaborou com a construção do bairro. O bairro foi aterrado pelo lixo e entulho trazidos da cidade, vindos pela maré em barcos, e em caçambas. As pontes foram sendo substituídas e os barracos iam sendo aterrados pelo esforço do próprio povo.
Vieram os planos do governo, mas o dinheiro foi desaparecendo. E o bairro foi ficando a critério dos próprios moradores. Só no plano em que a AMESA (Alagados Melhoramentos Sociedades Anônimas) foi administradora, fez a recuperação do nosso bairro.

Era um bairro pouco distante do centro. Possuía ruas estritas, sem alinhamentos, dirigia-se para o mar. Era um bairro de famílias pobres e de baixa renda. Por isso o povo era desnutrido. A falta de calçamento impossibilitava, principalmente, durante o inverno, o trafego de carros e às vezes, até mesmo dos pedestres. Por outro lado, era mais ou menos, bem servido por coletivos.

O grande problema educacional do bairro era resultado das famílias. Os pais em geral, eram analfabetos. Havia duas escolas no bairro. Grande parte das crianças e jovens estudava em colégios, nos bairros vizinhos.

O bairro não oferecia condições de lazer e nem rede de esgoto. Havia iluminação elétrica e extensão de água, ainda muito precárias, com muitos “gatos”. A maioria dos moradores, não tinha conhecimento das leis do trabalho e dos seus direitos. Os que eram alertados tinham medo de ser mal interpretado e alegavam: “pobre não tem vez”, “o pobre é quem sempre apanha”, “tudo depende da sorte”.

As famílias se declaravam católicas. A prática, no entanto, era muito individualista. A participação do povo era mais na Igreja da Massaranduba e nas grandes festas do Senhor do Bonfim e Nossa Senhora da Conceição. Pequenos grupos participavam da Comunidade Nossa senhora de Fátima, no culto católico dominical e de Casas de Cultos Protestantes, espíritas e de Candomblés.

O Massaranduba hoje é um bairro dos antigos alagados, chamado bairro de periferia de Salvador. Foi construído pela luta do povo; comprando entulho, aterrando como pode, com um esforço marcante dos moradores que deu tudo deles para construí-lo.

O povo que mora no bairro não para de construir, de melhorar, devagar e permanente a sua construção e ela fica cada dia mais diferente. Naturalmente, não deixa de continuar com vários problemas, alguns, os mesmos continuam; devido o descaso do pode público, ou até mesmo, pela falta de organização e pressão dos seus moradores.


Salvador, 12 de setembro de 2015.