Maria Helena: Gostaria que o
senhor falasse um pouco sobre a rua e o bairro em que vive.
Senhor Aluísio: Bom, quando vim
morar no bairro da Massaranduba, havia uma grande mangueira fincada perto da
maré numa área já aterrada, nela juntavam-se pescadores para a saída e a vinda
de seus barcos para o alto mar e para Baia de todos os Santos. Debaixo das
sombras das mangueiras, eles batiam papos, esperando a maré alta para alcançar
ao largo os seus barcos, rumo à pescaria. Também ali, já de volta com o fruto do
seu trabalho, eles se recolhiam para o livre comercio de peixes, também para o
seu sustento.
Era
uma festa! Era peixe de todos os tipos e tamanhos. Eu e Lili do peixe, pescador
experiente, organizávamos algumas pescarias. A pinga era experimenta por todos
em comemoração a vitória alcançada na pescaria. Ali tudo se conversava: coisas
da terra e coisas do mar. Eram grandes histórias, aventuras, piadas gozadoras
aos que foram e aos que ficaram.
O
mar batia com suas ondas às vezes fortes, levando à sombra frondosa mangueira e
empurrando até ela, o barco já estacionado. E os pescadores se alegravam,
esperando a nova hora de partida.
O
trabalho e a vida tinham gosto de peixe e de manga. Ali, tudo partilhava. A
meninada esperava a hora do retorno da pescaria e corria para receber os
pescadores, interessados também, nos peixes e frutos que eram trazidos do mar,
ainda vivos, conseguidos pelo esforço de seus pais. Todo mundo dividia e todos
recebiam, comerciavam e depois iam dormir.
A
mangueira que deu nome ao lugar que hoje moro “RUA NOVA DA MANGUEIRA”, não mais
existe. Mas, lembro-me muito bem, que era um mangue. Era um manguezal espalhado
perto da maré. Era, também, maré na sua ponta de lama grossa, ali viviam
caranguejos e outros crustáceos, onde os moradores da maré faziam suas catadas,
para sobreviverem.
A
rua foi criada com barracos que vinham sendo construídos dentro da maré, com
palafitas, ao lado da fábrica da Pepsi cola. Depois foram aumentando a
quantidade de barracos, ligados por pontes de madeiras, se espalharam para
frente na direção do mar fundo.
Depois,
a rua nova da mangueira passou a ser chama de “Rua Capitão Vicêncio Constantino
de Figueiredo” em homenagem a um marinheiro que colaborou com a construção do
bairro. O bairro foi aterrado pelo lixo e entulho trazidos da cidade, vindos
pela maré em barcos, e em caçambas. As pontes foram sendo substituídas e os
barracos iam sendo aterrados pelo esforço do próprio povo.
Vieram
os planos do governo, mas o dinheiro foi desaparecendo. E o bairro foi ficando
a critério dos próprios moradores. Só no plano em que a AMESA (Alagados
Melhoramentos Sociedades Anônimas) foi administradora, fez a recuperação do
nosso bairro.
Era
um bairro pouco distante do centro. Possuía ruas estritas, sem alinhamentos, dirigia-se
para o mar. Era um bairro de famílias pobres e de baixa renda. Por isso o povo
era desnutrido. A falta de calçamento impossibilitava, principalmente, durante
o inverno, o trafego de carros e às vezes, até mesmo dos pedestres. Por outro
lado, era mais ou menos, bem servido por coletivos.
O
grande problema educacional do bairro era resultado das famílias. Os pais em
geral, eram analfabetos. Havia duas escolas no bairro. Grande parte das
crianças e jovens estudava em colégios, nos bairros vizinhos.
O
bairro não oferecia condições de lazer e nem rede de esgoto. Havia iluminação
elétrica e extensão de água, ainda muito precárias, com muitos “gatos”. A
maioria dos moradores, não tinha conhecimento das leis do trabalho e dos seus
direitos. Os que eram alertados tinham medo de ser mal interpretado e alegavam:
“pobre não tem vez”, “o pobre é quem sempre apanha”, “tudo depende da sorte”.
As
famílias se declaravam católicas. A prática, no entanto, era muito
individualista. A participação do povo era mais na Igreja da Massaranduba e nas
grandes festas do Senhor do Bonfim e Nossa Senhora da Conceição. Pequenos
grupos participavam da Comunidade Nossa senhora de Fátima, no culto católico
dominical e de Casas de Cultos Protestantes, espíritas e de Candomblés.
O
Massaranduba hoje é um bairro dos antigos alagados, chamado bairro de periferia
de Salvador. Foi construído pela luta do povo; comprando entulho, aterrando
como pode, com um esforço marcante dos moradores que deu tudo deles para
construí-lo.
O
povo que mora no bairro não para de construir, de melhorar, devagar e
permanente a sua construção e ela fica cada dia mais diferente. Naturalmente,
não deixa de continuar com vários problemas, alguns, os mesmos continuam; devido
o descaso do pode público, ou até mesmo, pela falta de organização e pressão
dos seus moradores.
Salvador,
12 de setembro de 2015.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirMuito interessante a história do bairro de Massaranduba.
ResponderExcluirTendo seu nome retirado das árvores que cresciam e suas construções surgirem dos mangues é uma grande evolução para o bairro que é hoje.
Eu morei oito anos no Jardim Cruzeiro próximo de Massaranduba e passava sempre por esse bairro quando ia visitar meus sogros que moravam na Ribeira, logo, já conhecia Massaranduba. Acredito que os bairros adjacentes acompanharam a sua evolução, pois sabemos que toda essa região era alagadiça. Interessante e curiosamente houve evolução. Meu pai construiu uma casa lá na Massaranduba. Minha madrasta herdou com a morte dele. Essa casa existe e resiste até hoje. Gostei de conhecer mais sobre Massaranduba.Muito bom esse Blog!"
Muito boa a entrevista com o Sr. Aloísio. Em poucas palavras, o Sr. Aloísio - morador antigo da Massaranduba - relatou a vida social da comunidade da Mangueira - Rua Capitão Vicêncio Constantino Figueredo nos idos de mais de 40 anos atrás.
ResponderExcluirParabéns pela entrevista. Nos dias de hoje, e, com corre corre da vida moderna, é bom encontrar pessoas que disponibilize um pouco do seu tempo para nos enriquecer com o compartilhamento de suas memórias, histórias de superação e cidadania. Essa em particular, me emocionou e me estimulou a querer conhecer um pouco mais da nossa cidade.
ResponderExcluirMaria Helena
ResponderExcluirParabéns pelo seu blog. Completo, informativo, que traz boas recordações para os que viveram na Rua da Mangueira, que hoje tem um nome comprido de um capitão. E esta rua fica no bairro da Massaranduba, bairro que carrega consigo a marca da luta e resistência dos povos dos Alagados.
Rua da Mangueira, árvore frondosa, com seus frutos apetitosos que nos lembra a tranquilidade dos tempos de outrora. É isto aí, as lembranças do passado, da rua da infância, que nos faz recordar. E recordar é viver. Rua da Mangueira, lugar de pessoas simples, mas que carrega consigo a força e a esperança de lutar por um novo amanhã. Um abraço.
Marineide Rocha
Que maravilha de lembranças vc fez a nós antigos moradores dá mangueira voltar a um passado maravilhoso, queria citar alguns nomes que faz parte dá nossa história na mangueira: Dona Delfina com o cuscuz maravilhoso ,nada dá vendinha, gari com sua mercearia, lôro também com sua mercearia,pinto com sua padarizinha, mãe joana a parteira que me aparou, Zé soldado, professora laurennita , dona Lili que dava injeção etc etc etc...
ResponderExcluirgosto muito desses locais, moro na capelinha de são caetano e sempre ouvi relatos dos mais antigos que desciam a pé para catar mariscos nos antigos mangues do Lobato, e Massaranduba
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